segunda-feira, 18 de maio de 2009

too much, too bright, too powerful

abriu o caderno de folhas pautadas, tipo brochura, cheirando a novo. tinha também três canetas coloridas, um copo de requeijão servindo de jarro com uma rosa pequena. o ambiente estava pronto. sentia que já era tempo de escrever aquela carta tão adiada, queria que essa fosse a última, só para que a anterior não fosse (aquela tinha um cheiro de desespero e urgência, como se cada ponto final pudesse fazer as coisas pararem um pouco, ficarem um pouco mais, um 'não me deixe, não me esqueça' engasgado em cada linha. queria que o outro estivesse em algo que fosse seu, nem que fossem os olhos correndo nas linhas, o fôlego apanhado entre os parágrafos, ah se pudesse ler em voz alta, teria também um pouco da voz, e se o seu coração se apertasse teria talvez uma lágrima tímida, será que leria em público?, pensara em tudo isso). mas já fazia muito tempo, muito nada, muitos segundos a mais, muito além, muitos muitos. tudo anda em linha reta, não há curvas nem retornos, de nada adianta fazer sinal, não há ônibus, não há táxis. não há sequer estações.

sabia que organizar a mesa e comprar papéis novos não mudaria nada. (tampouco a carta o faria, mas ainda não era momento de se admitir isso). já não saberia dizer quando mudar as coisas deixou de ser um objetivo e entrou no mundo dos sonhos. mas havia as folhas pautadas esperando; observava as reentrâncias das pétalas como quem busca a saída de um labirinto, tudo estava ali e no entanto nada saía dos pensamentos pronto a fazer os dedos desenharem letras e comporem palavras. o ritual não funcionou. ainda não conseguia deixar de se sentir um tanto triste quando isso acontecia. guardou tudo com cuidado mais uma vez, sentou-se na cama, abriu a janela. a noite estava bonita lá fora. a essa hora já era possível ouvir conversas animadas, saltos altos apressados, buzinas impacientes, pessoas, pessoas, pessoas. é, quem sabe outro dia.


[radiohead - last flowers]

3 comentários:

Jamila Zgiet disse...

já falei pra você o que achei desse texto. e repito: es-pe-ta-cu-lar.
beijos, bonita.

josue mendonca disse...

muito bom, muito bom!

gostei do "fôlego apanhado entre os parágrafos"

um abraço

Isa disse...

que coisa mais linda, Lívia!