terça-feira, 4 de agosto de 2009

to be made of glass

olhar pela janela era o que havia de mais próximo da realidade. o hábito tornara-se tão rotineiro quanto o andar das pessoas lá embaixo, que iam e vinham quase todas no mesmo passo e horário do dia anterior. apesar de em certa medida angustiante, poderia dizer que gostava dessa regularidade -- ter algo repetitivo para se agarrar dava uma estabilidade até então desconhecida aos seus pensamentos. depois de tudo, era bom que fosse assim.

não se lembrava muito bem dela mais. de suas características mais fortes, como a cor do cabelo e o timbre da voz, a única coisa de que parecia se recordar agora era o espaço entre os cílios e a sobrancelha. por algum motivo, era o que ele mais gostava nela, aquele desenho tão insignificante aos olhos alheios. gostava que fosse assim, era algo que só ele e ninguém mais teria, nem ela mesma. aquele espaço seria protegido de qualquer ciúme e serviria como símbolo a possíveis saudades. o resto fora se apagando aos poucos, sendo desfeito cada vez que os pés dos estranhos tocavam o chão, como se ela própria tivesse sido impressa naquele intervalo de cimento batido que da janela ele conseguia vislumbrar.

ao desviar os olhos da paisagem, abaixando-os em direção ao trabalho que o esperava na mesa, era difícil não sentir um vento gelado correndo por entre os pulmões, empalidecendo os lábios. os ouvidos pareciam escutar uma voz aguda cantando ao longe, enquanto o calor e o sol que brilhavam lá fora tentavam atravessar janela e pele, tal qual pássaros que se debatem contra vidros espelhados reproduzindo o céu.


[bat for lashes - glass]