sábado, 16 de agosto de 2008

As pessoas partem pelos mais diversos motivos. Na entrada do hotel, ela olhava as malas cheias e pesadas e imaginava o que carregavam, para onde iriam. Isso quando saíam. As pessoas quando entravam ainda tinham uma alegria ou um ar de novidade do chegar quase intactos, e ela respirava desse mesmo ar também, e não pensava tanto. Quando iam embora, porém, ela sempre pensava, se perguntava, por que não ficar mais? Por que não simplesmente ficar? "Toda vez a mesma coisa", seu pai dizia, alertando, tentando fazer a filha, que já tinha saído desse mundo há muito tempo, entender a realidade. "Você nunca vai entender mesmo, não é? Essas pessoas não moram aqui. Cada um precisa seguir com a sua vida. Não faz sentido chorar por isso".

Sempre tinha uma pia cheia de louças. Uns lençóis para serem dobrados. Um corredor para varrer. Não deixavam mais ela lavar os copos de cristal desde que ela ficou andando pelo hotel com um na frente dos olhos "Olha, olha, fica tudo diferente com isso na frente. É bonito". Tiveram que consertar algumas maçanetas douradas que ela tentou arrancar porque eram bonitas. Tiveram que ensinar que nem tudo que é bonito ela podia ter, e que achar as coisas bonitas o tempo todo era estranho. Ela ouvia isso mas não entendia muito bem. Pra quê se preocupar quando se podia admirar as toalhas coloridas guardadas enroladinhas uma atrás da outra, ou observar as pessoas conversando entre si com expressões comedidas e gestos educados, se levando tão a sério, apertando as mãos?

Teve uma só vez, uma única vez, em que ela quis sair dali correndo. E como não tinha nada a perder, obedeceu ao impulso. Enquanto corria, as casas e árvores em borrões ao seu redor ficaram mais interessantes que jamais foram quando paradas. E tinha o coração, que acelerava e batia tão depressa como ela nunca havia sentido. O chão sumia depressa, os paralelepípedos corriam à toda na direção oposta. E ela descobriu que podia fazer vento, vento que agitava os cabelos desbotados e secava o suor, inventando frescor. Não fosse o cansaço e o despreparo das pernas, ela sentiu, com uma pontada de tristeza, que poderia correr para sempre.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

on/off

às vezes era só questão de volume. ou de intensidade, como diriam os professores de física. a música pode ficar mais ou menos agradável dependendo da intensidade do som. ondas que se propagam pelo ar longitudinalmente, eu costumava gostar dessas coisas. é bem sabido que músicas tocadas alto demais são quase sempre irritantes, a não ser que você esteja em uma boate ou algo do tipo. mas tão ou mais incômodas são aquelas que são tocadas tão baixo – ou tão pouco intensas – que mal dá pra ouvir. até aquelas mais animadinhas ganham um tom meio melancólico, meio fim de festa. as suas preferidas se reduzem a um punhado de acordes desconexos e apagados. como aumentar ou não o volume não cabe a você – seja porque o som não é seu ou porque ele já está no máximo e o barulho do restante do ambiente é que não te deixa escutar bem – surge a dúvida: melhor desligar, sair de perto, e ficar na suposta paz do silêncio? mas você sabe que escolher o silêncio significa se arriscar a deixar de ouvir aquela que você gosta tanto, mas tanto, que a imaginação faz questão de preencher as lacunas e colocar brilho mesmo nas notas mais pálidas. e enquanto dura a dúvida, a música continua tocando, sob o peso do silêncio, do barulho e dos palavrões dirigidos mentalmente aos dois.